Jovens angolanos desempregados, muitos qualificados, queixam-se das dificuldades de arranjar trabalho e até biscates para sobreviver, mas garantem “continuar na luta”, com mais fé em Deus do que nas políticas públicas. Na campanha eleitoral para as eleições de 2017, o candidato João Lourenço, actual Presidente de Angola, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, prometeu criar 500 mil novos empregos até ao final da legislatura, em 2022…
Muitos têm qualificações técnicas e académicas, de electricistas, engenheiros informáticos e até juristas, mas não encontram oportunidade para mostrar as suas competências, numa altura em que as alternativas de subsistência rareiam.
Há dois anos desempregado, o electricista Jeremias Garcia, 25 anos, diz que sobrevive com alguns biscates que, entanto, têm escasseado nos últimos três meses e considerou “crítica” a situação actual.
“Vivo com os meus pais, mas a tendência é ser independente e, para isso, temos que ter alguma coisa para fazer. Já estou há quase três meses sem biscates, não é fácil, mas Deus é sempre bom e o bocado sempre aparece”, disse.
Jeremias Garcia, que saía do centro da capital em busca de alguma oportunidade de emprego, considerou crítico o desemprego em Angola, “agravado” pela Covid-19.
“É necessário que se criem mecanismos para se ter mais empregos, sobretudo para os jovens planearem o seu futuro”, exortou.
Cláudia Mara Nhanga, técnica de restauração e desempregada há três anos, gastou o pouco dinheiro que tinha, tentando a sorte num dos restaurantes do centro de Luanda, mas mais de duas horas de espera depois não teve qualquer resultado positivo.
De regresso a casa, a jovem de 23 anos descreveu o seu trajecto diário, reafirmando a sua “motivação para continuar a difícil luta em busca de um emprego”.
“Esperei mais de duas horas pela dona do restaurante e não tive sucesso nenhum e, por isso, vou para a casa sem nenhuma resposta positiva, mas vou continuar a procurar porque não podemos perder a motivação”, assegurou.
Para Cláudia Mara Nhanga, que viu a vida a “complicar-se” após ser afastada do restaurante onde trabalhava, “em consequência da crise económica”, é “urgente” que se criem políticas de emprego sob pena de muitos jovens “continuarem mergulhados nas drogas e de outras práticas negativas”.
“Uma terrível batalha” foi o adjectivo utilizado por Didon Nzinga, desempregado há 4 anos, para classificar o seu percurso diário de “luta pela sobrevivência”, sobretudo para sustentar os dois filhos.
Com os biscates no ramo da electricidade “cada vez mais difíceis”, Didon Nzinga, 28 anos, que concluiu o curso de matemática na Escola de Formação de Professores, já bateu a várias portas, mas estas continuam fechadas.
“As pessoas fazem concurso público, entregamos documentos, mas o nome nunca sai”, lamentou, exortando as autoridades para dedicarem atenção à juventude, se quiseram “fazer o futuro de amanhã”.
Desempregada há dois anos, Omblina Lenda Paulino queixou-se do “nepotismo” que diz “persistir” em instituições públicas e privadas na selecção do quadro de pessoal, lamentando a falta de oportunidades.
“Estamos à procura (de emprego) e as oportunidades não aparecem, são poucas, há até sítios mesmo que precisam de pessoas para trabalhar, mas com aquele orgulho preferem meter pessoas próximas sem qualificação e a cadeira fica vazia”, contou.
A engenheira informática de 22 anos, “comerciante ocasional”, sonha com um emprego no ramo da formação, mas enfrenta várias dificuldades no seu dia-a-dia. Garante, no entanto, que vai continuar a lutar. “E em nome de Deus vamos conseguir”, afirma.
Por seu lado, o jurista Mauro Carlos, 28 anos, desempregado há oito meses, “não acredita nas actuais políticas públicas” que visam inverter o actual índice de desemprego em Angola, afirmando que sobrevive com actividades por conta própria.
“Não vejo nada, não vejo um futuro melhor, vejo apenas trabalho duro, trabalho por conta própria pode ser a solução, e não esperar do Governo”, defendeu, realçando que a sua luta diária “é para sobreviver”.
Angola continua a registar uma elevada taxa de desemprego que afecta sobretudo jovens, situação que resulta da crise económica, financeira e cambial que o país vive, desde finais de 2014, devido à queda do preço do petróleo no mercado internacional.
Tal pai, tal filho. Ou será enteado?
No dia 17 de Julho de 2017 o Folha 8 publicou o texto “Nas ruas há de tudo”, que a seguir reproduzimos na íntegra. Ficamos assim com duas visões. A primeira na era de João Lourenço, e esta na de José Eduardo dos Santos, ambos Presidentes da República (não nominalmente eleitos) e Presidentes do MPLA (partido no Poder há 45 anos):
«Milhares de angolanos vão todos os dias para as ruas de Luanda para vender de tudo um pouco, desde armações para óculos ou telemóveis de 1.000 euros, reparando até calçado na via pública, tudo para levar alguns kwanzas para casa. A sobrevivência, sempre difícil (Angola tem 20 milhões de pobres) a isso obriga e, é claro, a necessidade aguça o engenho.
Numa ronda pelas ruas da capital angolana, a Lusa constatou esta realidade, que – conta o seu repórter – torna a cidade numa espécie de mercado ambulante global, marcada por todo o tipo de rendimentos que servem para garantir o sustento de milhares de famílias.
É o caso de Maravilha da Silva, uma das muitas mulheres que todos os dias vai para as ruas de Luanda vender telemóveis.
Em conversa com a Lusa, esta jovem de 30 anos diz que o negócio é rentável e que os telemóveis mais baratos são os que têm maior saída. Em pleno centro de Luanda, chega a vender 15 telemóveis por dia, a preços que variam entre os 6.000 e os 200.000 kwanzas (30 e 1.000 euros).
“Temos, sim, pessoas que compram os telefones digitais, mas são poucas. Aqui a opção recai muito para os telefones de 6.000 e 12.000 kwanzas [até 60 euros] e preferimos vender aqui na rua devido ao elevado número de transeuntes”, explica.
De acordo com a vendedora ambulante, os produtos são provenientes do Dubai e são poucas as pessoas que se arriscam a comprar um telemóvel topo de gama, devido aos preços: “Aparecem mesmo alguns clientes, fizemos descontos e com garantia de um mês nesses telefones mais caros”, acrescenta.
Noutro ponto da cidade, a Lusa encontrou Alberto José, de 32 anos, que passa o dia a percorrer Luanda a pé, a vender armações para óculos graduados, precisamente em frente a uma loja de óptica.
“Estarmos na rua é um bocado complicado e como se não bastasse, a crise também afectou muito o nosso negócio, com a procura a reduzir consideravelmente”, explica.
Há três anos nesta actividade, Alberto José conta que os preços dos produtos que comercializa são acessíveis e que todos os dias consegue levar para casa, de lucro, até 8.000 kwanzas (40 euros).
“Temos armação de 2.000 e de 4.000 kwanzas [10 a 20 euros], os nossos preços aqui são variáveis. Estamos a remediar-nos, para não faltar um pão em casa, assim vai a vida”, desabafa.
Ainda no centro da capital angolana, a Lusa encontrou o sapateiro Fernando Sebastião Fialho. É sapateiro profissional há 37 anos e assume que tem muitos clientes, devido, afirma, à qualidade do serviço que presta.
“Para reparar calçados eu cobro barato e os preços são a partir de 1.000 kwanzas [cinco euros], aliás no negócio não adianta alargar muito o preço e ter poucos clientes, daí que baixo para ter muitos clientes a assim a procura aumenta”, aponta.
Explica que o ofício é digno e rentável, por isso até é várias vezes solicitado para ir fazer trabalhos ao domicílio.
“Sou um sapateiro que também faz serviços ao domicílio, entre lavar, cozer, engraxar e aplicar outros adornos aos calçados. No máximo, diariamente, consigo ter um ganho de 10.000 kwanzas [50 euros]”, realça.
Face à demanda, “Chiquinho”, como é mais conhecido pelos clientes, adianta que precisa alargar o leque de ferramentas que usa e passar para uma reparação de sapatos com uma técnica mais apurada. Isto devido às dificuldades de trabalhar manualmente mais de sete horas por dia.
“Agora estou a precisar de formas e outras máquinas para alargar sapatos, porque à mão é muito cansativo”, relata, sublinhando que dedica 90% do seu tempo a reparar calçado e o restante a engraxar, pelo centro da cidade de Luanda.»
Folha 8 com Lusa